A revolução discreta da cidade italiana que virou alternativa ao turismo excessivo de Veneza
19/10/2025
(Foto: Reprodução) Melhores destinos para viajar sozinho em 2025, segundo turistas; veja único sul-americano
O ar está carregado de sal e manteiga quando uma tigela de tagliatelle com anchovas derretidas e ovas de bacalhau lascadas chega à minha mesa, que está ao lado do canal.
O estalo agudo de uma rolha quebra o burburinho do restaurante e a garçonete serve uma taça de vinho branco local. O almoço chegou.
"Esta é a rainha das manteigas", diz minha garçonete, que afirma que a manteiga alpina — Primiero Botìro — que reveste minha massa é uma especialidade regional.
Produzida em áreas de montanha com leite cru em julho e setembro, ela diz, "está mais saborosa agora".
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Treviso está a meia hora de distância de Veneza
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É setembro e estou em Treviso, um dos destinos mais discretamente deliciosos do norte da Itália e um lugar por onde muitos viajantes só passam, desembarcando aqui em voos de companhias aéreas de baixo custo e seguindo direto para a vizinha Veneza.
No entanto, vale a pena parar em Treviso: uma cidade histórica murada e repleta de canais, onde o tiramisù apareceu pela primeira vez nos cardápios e o radicchio e o prosecco moldam a vida cotidiana.
É um destino que tem chamado cada vez mais atenção, mais recentemente por ter se tornado a primeira cidade italiana a ganhar o European Green Leaf Award, uma iniciativa da União Europeia que reconhece os esforços ambientais de cidades menores, que tenham entre 20 mil e 100 mil moradores.
Com uma população de quase 94 mil habitantes, Treviso impressionou os jurados ao transformar um aterro sanitário abandonado em um parque solar, reformar seu sistema de canais para melhorar a qualidade da água e lançar projetos de biodiversidade para limpar o ar.
A iniciativa verde também está se expandindo para além da cidade, para as Colinas de Prosecco, tombadas pela Unesco, onde produtores de vinho estão adotando práticas sustentáveis para combater as mudanças climáticas.
Os esforços de Treviso oferecem um contraponto interessante a Veneza, a apenas 30 minutos de distância, que continua a sofrer com o turismo excessivo, a poluição de suas águas e as dificuldades de infraestrutura.
A tão alardeada taxa para visitantes que permaneçam um dia na cidade antiga arrecadou milhões em receita, mas não conseguiu reduzir significativamente o número de turistas, que ainda somam em média 13 mil por dia em 2025, em comparação com 16.676 em 2024.
Cidade recebeu prêmio de sustentabilidade em 2025
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"Temos muito orgulho da nossa cidade", afirma Alessandro Manera, vice-prefeito de Treviso.
"Foi um desafio mostrar que uma cidade italiana poderia ganhar este prêmio. O objetivo do prêmio não é ser a cidade mais bonita e verde da Europa. Trata-se de mostrar quem está melhorando."
Desde o lançamento de sua missão sustentável, há sete anos, Treviso construiu quilômetros de novas ciclovias para reduzir o uso de carros, implementou programas escolares de reciclagem e plantou 6 mil árvores.
As árvores, afirma Manera, desempenham um papel fundamental na melhoria da qualidade do ar no município, localizado no Vale do Pó — uma bacia natural que retém poluentes.
Outro projeto fundamental foi a modernização da infraestrutura de esgoto de Treviso, que chegava a apenas 27% da população da cidade.
"Já estamos em 64% e [até o 10º ano] gostaríamos de terminar em 80%", afirma Manera.
"É realmente uma revolução verde, porque todo aquele esgoto estava indo para os nossos rios."
Para uma cidade cercada por água, a transformação é vital. Frequentemente apelidada de "pequena Veneza" pelos moradores locais, os canais de Treviso cortam o centro histórico da cidade, com 2.100 anos de história, passando por varandas floridas e salgueiros-chorões caídos ao longo das margens.
"Esta é uma cidade onde os canais são os protagonistas", diz Ilaria Barbon, guia turística da Treviso Tours.
"A presença do Rio Sile foi essencial para as origens e o desenvolvimento de Treviso. Os mesmos canais e as muralhas maciças protegiam Treviso no início do século 16."
Ela acrescenta que a água continua sendo fundamental para a identidade de Treviso.
"Hoje, a qualidade da água é muito boa. Temos muitas fontes, algumas delas famosas, como a Dei Tre Visi ou a Delle Tette. O Free Aqua é um aplicativo que permite monitorar o abastecimento da sua garrafa [de água]. Moro a 6 km de Treviso, e a administração local está distribuindo garrafas de alumínio para todas as crianças da escola — a meta é plástico zero."
Moinhos de água centenários de Treviso estão sendo revitalizados para fornecer energia a partes da cidade
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Essa mesma água também alimenta a indústria de Treviso há bastante tempo.
Antigos moinhos de água usados para moer grãos no século 16 estão espalhados pela cidade. Eles foram reativados recentemente, e um deles chega a abastecer de energia as luzes do mercado central de peixes de Treviso.
"Esse é o único local hoje abastecido porque, para toda a cidade, seria impossível", diz Manera.
"Mas outro grande projeto — um projeto de 25 milhões de euros — é mudar toda a iluminação pública da cidade para LED. Concluiremos isso em seis a sete meses", diz ele, estimando que isso resultará em uma economia de energia de 70%.
Essa mesma busca por uma vida mais sustentável vai além da infraestrutura. A guia turística Annalisa De Martin incentiva os viajantes a explorar Treviso sobre duas rodas, realizando passeios de bicicleta pelos canais, trilhas fluviais e pela paisagem circundante, enquanto se deliciam com a gastronomia da cidade.
"Sempre termino meus passeios com uma fatia de tiramisù", ela me conta: "Foi inventado aqui."
Reza a lenda que a sobremesa embebida em café foi criada no século 18 por uma cafetina que administrava um bordel local.
Dizia-se que o tiramisù — que se traduz literalmente como "me anima" — era oferecido como afrodisíaco aos clientes. Visite qualquer um dos restaurantes da cidade e você quase certamente o verá no cardápio.
Treviso também é famosa pela produção de radicchio — um tipo de chicória vermelha de sabor ligeiramente amargo que é frequentemente consumida com queijo. Os passeios percorrem a Estrada do Radicchio, um trecho repleto de fazendas abertas a visitação
"O radicchio é usado de muitas maneiras aqui", diz De Martin.
"Não apenas cru, mas também para risotos e assado. Também o usamos para molhos para massas e [para fazer chutney] para queijo. Temos um bolo de radicchio chamado fregolotta e alguém uma vez até fez um tiramisù de radicchio durante nossa Copa do Mundo de Tiramisù anual."
Nas colinas de Prosecco, produtores estão adotando práticas sustentáveis em resposta às mudanças nos padrões climáticos
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Para além de sobremesas e vegetais, as colinas ondulantes de Prosecco na região refletem o mesmo equilíbrio entre terra, tradição e inovação.
O enólogo Sandro Bottega, fundador da Bottega Prosecco, afirma que as mudanças climáticas estão forçando os produtores a se adaptarem.
"Estamos vivenciando muitas coisas", diz Bottega, "desde a evaporação excessiva de água durante os verões quentes até o aumento de chuva e granizo durante as estações mais frias, que danificam as videiras".
Ele afirma que as mudanças climáticas estão tendo um grande impacto na produção, acrescentando que "em alguns vinhedos, no ano passado, perdemos 80% [de nossas colheitas]. Este ano, serão 50%".
Em resposta, produtores como Bottega estão experimentando métodos de viticultura sustentáveis para reduzir seu impacto de carbono — como técnicas de adubação verde para promover a fertilidade do solo, painéis solares, usados em busca de autonomia energética, e ar-condicionado geotérmico como controle climático natural.
Um sinal, talvez, de que as ambições verdes de Treviso se espalharam para além dos muros da cidade.
Juntos, eles mostram como um dos destinos mais tranquilos da Itália está moldando um futuro verde; um futuro enraizado nos prazeres simples de boa comida e bebida, água limpa e ação comunitária.
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